História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar



O mês de Março é dedicado a "História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar", de Luís Sepúlveda

Comentário:



Este livro, de Luís Sepúlveda, conta-nos uma emocionante história que se desenrola à volta de um gato, Zorbas, que se vê envolvido numa situação dramática, quando uma gaivota, apanhada por uma maré negra, foi parar junto dele e, após um curto e emocionante diálogo, lhe fez prometer que tomaria conta do seu ovo, criaria a sua gaivotinha e a ensinaria a voar. Zorbas, comovido e aflito com o estado lastimoso e o desespero da gaivota, prometeu cumprir estas promessas. Mas, como irá ele cumpri-las? Um gato a ensinar uma gaivota a voar?!
O livro começa com uma passagem fantástica que eu não resisto em transcrever: “Kengah, uma gaivota de penas cor de prata, gostava especialmente de observar as bandeiras dos barcos, pois sabia que cada uma delas representava uma forma de falar, de dar nome às mesmas coisas com palavras diferentes.
- As dificuldades que os humanos têm! Nós, gaivotas, ao menos grasnamos o mesmo em todo o mundo – comentou uma vez Kengah para uma das suas companheiras de voo.” (Será destas dificuldades de linguagem dos humanos que resultam a incomunicação e a falta de entendimento? Ou será a cultura do eu?...). A este propósito, é de salientar o espírito comunitário das gaivotas, a solidariedade dos gatos ao ajudarem Zorbas no cumprimento da sua palavra, pois “os problemas de um gato de porto eram os problemas de todos”; a forte amizade estabelecida entre seres de raças diferentes: gatos e gaivotas (uma relação impensável); o respeito pela diferença, o valor do cumprimento da palavra, a generosidade, o espírito de sacrifício, a força de vontade… Que bonitas lições para os humanos!...
Quando Kengah foi apanhada pela peste negra e esperava o fatal desenlace, amaldiçoou os humanos: “ – Mas não todos. Nada de injustiças – grasnou ela debilmente!” Que apurado sentido de justiça!
É impossível não nos envolvermos num turbilhão de emoções, reflexões e sentimentos quando mergulhamos nesta fábula bem estruturada, em que coabitam situações cómicas, dramáticas, revoltantes, de rara sensibilidade e extremo carinho, num texto onde ressalta a beleza literária e a riqueza da mensagem.
Depois de Zorbas ter passado longos e incómodos dias no choco, um dia, a gaivotinha nasceu e “olhando para o gato, grasnou, na sua fragilidade: Mamã!” Quem fica insensível a este singular espírito de sacrifício do gato e a este momento de ternura?
Zorbas e os seus amigos deram o nome de Ditosa à gaivotinha, tendo em conta a dita de ficar sob a sua protecção. Ditosa cresceu depressa, rodeada de carinhos e tornou-se uma jovem e esbelta gaivota. Zorbas queria que Ditosa aprendesse a voar, mas esta queria ser gato como eles e miar. Os felinos ensinavam-lhe, com empenho, as técnicas de voo, depois de sucessivas pesquisas na enciclopédia. Mas Ditosa resistia… tinha medo.
Terão conseguido que a gaivota voasse? Deixo este ponto para descobrirem, quando lerem o livro.
E, para finalizar, vou deixar aqui uma expressão retirada da última página, para reflectirmos: “… só voa quem se atreve a fazê-lo – miou Zorbas.”


Lídia Valadares, 12/03/09