A Biblioteca ao longo dos Tempos

Estamos a chegar ao final do ano lectivo e, após vários comentários e partilhas sobre leituras, o nosso olhar concentra-se, naturalmente, nas magníficas "casas dos livros" - as Bibliotecas. Percorrendo a sua trajectória desde tempos longínquos e analisando a sua função, registamos alterações significativas.
A expansão das bibliotecas tem acompanhado o desenvolvimento da civilização e estas instituições afirmam-se como um agente imprescindível na execução da política educacional de um país.
Na sociedade actual, caracterizada por rápidas mutações e pela constante desactualização dos conhecimentos, a escola tem de desenvolver nos jovens novas competências que lhes permitam fazer face a estes desafios. Emerge, deste modo, a necessidade de modificar os paradigmas do ensino e de atribuir um maior reconhecimento ao papel das bibliotecas escolares, enquanto centros de recursos e espaços inovadores de aprendizagem e de desenvolvimento da autonomia no interior dos estabelecimentos de ensino. A criação de uma Rede de Bibliotecas Escolares constituiu uma das medidas da política educacional nacional destinada a optimizar as mais-valias das B. E., consideradas pedras basilares na construção de uma escola mais adaptada às exigências da sociedade em que vivemos e “retaguardas que contrariam os factores de exclusão” (Calçada, Teresa, in Jornal Público, 05/12/2004).
Podemos facilmente constatar que o conceito de bibliotecas se foi alterando ao longo dos tempos. Deixaram de ser “depósitos de livros” religiosamente guardados e rigidamente protegidos, para se tornarem um espaço plural, aberto ao maior número de pessoas. E um bom exemplo dessa transformação radical (eu diria, mesmo, revolução da divulgação cultural) é a Biblioteca Digital Mundial, que se encontra disponível on line, a partir do dia 21 de Abril de 2009, colocando à disposição de qualquer pessoa alguns tesouros da Humanidade.
E, citando Umberto Eco, “se a biblioteca é, como pretende Borges,, um modelo do Universo, tentemos transformá-la num Universo à medida do homem” (Eco, Umberto, 1991, A Biblioteca, p. 44).

O ensino das escolas tem de ser completado pelo ensino das bibliotecas. Escutar um mestre, mesmo excelente, não basta para formar um espírito. O papel do mestre é fornecer o recipiente que o aluno encherá com a leitura, a reflexão, a meditação.”

André Maurois, “Le Courrier de L’Unesco”

O Rato de Alexandria”, O livro que falava com o vento e outros contos, de José Jorge Letria

Enquanto fazia o percurso das bibliotecas ao longo dos tempos, veio-me à memória “O Rato de Alexandria”, um dos contos de O livro que falava com o vento e outros contos,de José Jorge Letria. Esta história trata de um rato que morava num sítio especial: a Biblioteca de Alexandria, onde havia milhares de pergaminhos e papiros, contendo todos os conhecimentos que os homens tinham até então conseguido acumular e passar para a escrita. Sentiu curiosidade por desvendar os segredos guardados naqueles documentos e transformou-se no primeiro rato a saber ler, descobrindo imediatamente o prazer da leitura. Assistia às animadas discussões que ocupavam durante vários dias os cientistas e os filósofos de Alexandria. “Conhecia todos os grandes sábios do seu tempo e, à medida que os ia conhecendo, ganhava admiração por eles e ficava com pouca paciência para ouvir as deslavadas conversas dos ratos seus irmãos.”
De leitura em leitura, foi ficando cada vez mais sábio e, ao mesmo tempo, envelhecendo.
Alexandria também envelhecia. Um dia, um grande fogo começou a alastrar dentro da biblioteca e o rato, antes da fuga, conseguiu juntar alguns pergaminhos e levou-os para longe do incêndio. Nos anos seguintes, num templo dos arredores da cidade, o rato de Alexandria não esqueceu nada do que tinha aprendido e conseguiu transmitir os seus conhecimentos aos ratos mais novos.
Um dia o rato morreu… Contudo, “muitos anos depois, todos os rato
s dessa terra sabiam ler e veneravam uma estrela estranha e longínqua chamada Alexandria.

Do mesmo livro, também vou destacar o conto “O Sábio, o Califa e o Saber”, onde um califa ordena ao homem mais sábio da corte que organize e resuma todas as formas de saber que, durante séculos, foram armazenadas pelos sábios, pelos cientistas e pelos poetas do seu reino. Tinham sido feitas grandes descobertas, mas o califa temia que se perdessem, pois andavam só de boca em boca…
Esta passagem ilustra o reconhecimento da importância da palavra escrita. De facto, já na Antiguidade, os governantes se preocupavam em mandar escrever os documentos mais relevantes. Um bom exemplo disso é o Código de Hamurabi, um dos mais antigos conjuntos de leis escritas, elaborado por volta de 1700 a.C.
A história de José Jorge Letria continua, mas deixo-vos o grato prazer de a descobrirem, bem como aos outros contos que fazem parte deste livro fantástico.

Lídia Valadares
15 de Junho de 2009